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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27391: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte IV: impressões de viagem do Ruy Cinatti: Mindelo e Bolama



Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > Partida  do vapor "Moçambique", com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias, entre os quais se contaria Ruy Cinatti (1915-1986), então com 20 anos, futuro engenheiro agrónomo, poeta, antropólogo que iria mais tarde estabelecer uma relação especial com Timor.

Fonte: Ilustração. nº 222, ano 10º, 16 de agosto de 1935, pág. 9. (A revista, quinzenal, era propriedade da Livraria Bertrand, Lisboa; editor: José Júlio da Fonseca;) custava 5$00 um número avulso (Cortesia de Hemeroteca Digigit6al / Càmara Municipal de Lisboa)


1. Continuação da publicação da série "I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935) (*)

Fomos "repescar" um texto do nosso crítico literário Mário Beja Santos (ex-alf mil,   Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com o título  "Ruy Cinatti e uma viagem a Bolama, 1935" (**).

O Ruy Cinatti ficará profundamente marcado por este cruzeiro. Pode- se dizer que, de facto, foi "o cruzeiro da sua vida", sem qualquer ironia (como nós dizemos do nosso para a Guiné). De resto, ele será uma das vedetas do evento, ganhando inclusive um prémio literário pela melhor composição sobre a viagem.

O texto é antecedido da seguinte mensagem do nosso  camarada  e colaborador permanente, o Beja Santos,  com data de 10 de fevereiro de 2016:

(...) Entre chuviscos intermitentes, aquele sábado de manhã na Feira da Ladra permitiu-me adquirir esta preciosidade, ao longo dos anos em que entabulei grande amizade com o Ruy Cinatti, este nunca me fizera referência à sua visita à Guiné e muito menos mencionara existir texto de tal viagem. A sua grande recordação fora a Ilha do Príncipe, deu-lhe fulgor para escrever uma pequena gema literária, o conto "Ossobó".

É bom recordar que este antropólogo e poeta tinha 20 anos quando escreveu estas recordações de viagem. (...)

 


Caoa da revista "O Mundo Portuguès"


"Ruy Cinatti, um dos participantes do 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, dá-nos a suas impressões de uma viagem ao Mindelo e a Bolama,  em agosto de 1935"

por Mário Beja Santos


Ruy Cinatti, pintado pela Maluda, Tinha traços fenotípicos chineses, do lado da mãe. O pai foi consul em Londres.
(Cortesia de Mário Beja Santos)

O 1º Cruzeiro de Férias às Colónias, coordenado por Marcello Caetano, constituiu uma novidade pelo modo como se pretendia atrair a juventude aos conhecimentos das parcelas do império. Guardaram-se vários testemunhos dessa viagem em que o regime procedera a uma rigorosa seleção de universitários de elevada craveira.

Um dos escolhidos foi Ruy Cinatti (Londres, 1915- Lisboa, 1986) que se irá afirmar como grande poeta, etnólogo, antropólogo e defensor da causa timorense. 

Tive o privilégio de receber alguns dons da sua amizade benfazeja. Conheci-o quando era membro da direção do jornal “Encontro”, a publicação da JUC – Juventude Universitária Católica, em 1966, fui pedir-lhe um poema, ofereceu-nos “O cego”, o primeiro dos seus “Sete septetos”, livro que viria a ser premiado com o Prémio Nacional de Poesia.

O meu livro,  “A Viagem do Tangomau”, arranca com um encontro em sua casa, convidar-me para jantar na véspera de eu partir para Mafra, para frequentar a recruta. Leu-me poemas de safra recente, que virão a ser publicados a título póstumo. E na correspondência que com ele troquei na Guiné, deu-me sábios conselhos, foi um lenitivo para a minha alma, daí o ter tratado sempre por “Dear father”.

Encontrei em “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais, o seu número 24, de dezembro de 1935, o seu texto “A Mocidade Académica e o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias”. 

Chamou-me à atenção, na chegada a S. Vicente, a descrição crua que nos faz da vida dolorosa do cabo-verdiano:

“A vegetação em S. Vicente está reduzida a pequenos oásis de verdura – as ribeiras – regiões sobrejacentes aos leitos de ribeiras subterrâneas, onde se desenvolvem plantas dos climas quentes, e a pequenas extensões de vegetação arbórea cuja ramaria, passada certa altura, se estende, se inclina horizontalmente, se prostra ante a fúria niveladora do vento do deserto, que sibila, que ecoa doidamente nos recôncavos da rocha.

O resto são campos de calhaus partidos, triturados, onde a vida vegetal é impossível, porque as águas que nas épocas de chuva se despenham em torrentes pelas encostas arrastam o pouco húmus que se tenha depositado ou os materiais terrosos provenientes da desagregação da rocha.

Todos estes aspetos, geológico, climático, ausência de vegetação na maior parte das ilhas, motivada ou pela falta de chuvas ou pelo seu desperdício quando cai, conduzem à grande tragédia do arquipélago – a fome.

Em 1924, só em S. Tiago morreram à fome 20 mil pessoas. No Fogo, o colmo é arrancado das casas indígenas para ser cozido e servir assim de alimento. As crioulas levavam os filhos já mortos ao colo, iludindo os administradores, para receberem maior ração”.


E conclui:

“Foram S. Vicente e depois o Príncipe, as ilhas que, no desfilar tumultuante de visões sucessivas, mais indelével recordação deixaram no meu espírito”.




O vapor "Moçambique", da CNN, ao largo de Bolama > Agosto de 1935

Foto: "O Mundo Português", vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935
(Exemplar pessoal de Mário Beja Santos; digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné) (*)


E assim chegaram à Guiné, registará a sua viagem a Bolama:

“O mar muda de cor. Já não é azul ultramarino nem azul-cobalto. As águas são barrentas, com reflexos esverdeados provenientes dos aluviões arrastados pelo Geba e outros rios. A ondulação é mínima, apenas provocada pelo deslocamento do navio.

Atravessámos o dédalo das ilhas Bijagós, cobertas de intensa vegetação verde-amarelada, que me dá uma sensação muito diferente do que eu supunha vir a encontrar.

Costas baixas, em praia, abundantes em recortes e braços de mar, prolongando-se a perder de vista, a ponto de se julgar que a vegetação nasce das águas.

Era já tarde e o sol velado pela fímbria das nuvens caminhava para o ocaso. Não bulia uma folha. Estava tudo parado, tudo embebido num banho morno.

Caminhava ao longo de uma rua de Bolama, com os muros e as casas cobertas de musgo, onde o branco da cal há muito tempo dera lugar ao cinzento esverdeado da terra e das plantas. Andava e não via ninguém. Tudo estava deserto. Só ouvia o ecoar das minhas passadas no cimento do passeio.

Envolvia-me um silêncio sepulcral. Invadia-me um aniquilamento absoluto. Qualquer coisa me amolecia, tornava mais vagaroso o andar. Com a face, com o corpo a escorrer suor, bebi grandes golos de água do cantil; quanto mais bebia mais a sede me torturava.

De repente, em poucos minutos, o céu tapou-se de nuvens; uma ligeira brisa baloiçou a folhagem dos poilões; começou a chover torrencialmente e a água, rejeitada pela terra saciada de humidade, corria em regatos para as margens lodosas do mar. Ali, refrescando a alma, refrescando o corpo com a deliciosa chuva a escorrer-me pelos cabelos e pela face, reagi.

Com outra alma, caminhei com energia, embebendo-me na paisagem tropical verde cinzenta. Nas margens do rio, onde o lodo borbulhava, o mangal de folhagem miúda muito cerrada estendia-se indefinidamente numa estreita faixa, com as raízes brutescas saindo da água.

Com o mesmo imprevisto com que tinha aparecido, as nuvens foram-se, e de novo o sol inundou a terra. Atravessei a cidade; segui por uma estrada onde, dentre o verde brilhante das bananeiras, das árvores de fruta-pão e dos poilões, surgiam as tabancas cor de argila.

Em volta, em porções de terreno sem área nem contorno definido, estendem-se as plantações de mancarra cultivada pelos negros. Grupos de indígenas, diferentes na aparência física e no vestuário, seguiam ao longo da estrada e estacionavam à porta das tabancas.

Uns, quase nus, com as costas tatuadas em relevo, com folhas de palmeira-leque e um grande cutelo nas mãos. Outros, vestidos com grandes camisas grandes que quase chegam ao chão, com o peitilho bordado e um alfange pendente a tiracolo. Mulheres, ora de tanga, ora envoltas em grandes panos, caminhavam com os filhos às costas e com grandes cabaças sobre o lenço amarelo enrolado em volta da cabeça.

Entrei numa tabanca de Fulas. Casas retangulares e circulares, o telhado de colmo estendendo-se para fora das paredes a servir de alpendre ou galeria. Sentados em volta os homens conversam, as mulheres entram e saem. As crianças brincam indiferentes ao que em volta se passa.

Lá ao longe, mas dentro da tabanca, o barulho de muita gente junta a falar atraiu-me. Fui lá.
Formando uma roda, homens e mulheres olhavam, gesticulando, o começo de um batuque. O tambor começou a suar e logo um negro despindo a camisa branca, descalçando as chinelas vermelhas, saltou para o meio, os músculos salientes a brilhar, exibindo o corpo atlético de um deus grego queimado pelo sol.

Começou a andar em volta, olhando a multidão que o cercava, saracoteando o corpo, batendo ritmicamente os pés, em flexões que iam aumentando com rapidez. Dirigiu-se às raparigas que em monte o olhavam embevecidas, num conjunto de cores em que o vermelho e o amarelo predominam.

Cantava a mesma frase com intervalos em que o som fica suspenso no ar e continuava cada vez mais excitado, na sua movimentada dança, dando saltos mortais.

De vez em quando chegava-se ao pé do tocador de tambor, dobrava-se, batendo com os dedos no chão e levantava-se em seguida bem alto, apontando para alguns dos que ali estavam. Era o desafio para a luta.

Ninguém veio. Mais alguns saltaram para o centro e com as mesmas atitudes desafiaram outros. Ninguém veio. Tudo se parecia temer. Em volta, homens e mulheres procuravam animar, batendo compassadamente as palmas, acompanhamento o canto intermitente dos lutadores. Nada conseguiram. Em breve começaram a dispersar. O sol já tinha desaparecido lançando apenas no horizonte um pálido clarão, que mais fazia realçar a beleza eternas das palmeiras.

Em redor os homens, sentados à porta das cubatas, lavavam os pés, preparando-se para a oração muçulmana”.


Ruy Cinatti escreve este texto com 20 anos. Chamou-me à atenção a dedicatória que ele apõe:

“Para o muito caro José Vaz Pinto, esta recordação do nosso cruzeiro de maravilha com a amizade de Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes. Janeiro de 1936”.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

 2.   Comentário do editor LG:

Este foi, de facto, o primeiro e único cruzeiro de férias às colónias, com direção cultural de  Marcello Caetano, que exercerá mais tarde o cargo de ministro das colónias (1944/47), depois de ter sido comissário nacional da Mocidade Portuguesa (1940/44).

Mas em  1937 irá realizar-sen o I Cruzeiro de Férias dos Estudantes das Colónias à Metrópole, transportando estudantes dos liceus de Angola e Moçambique ao "Puto", e depois um outro que levou estudantes de Moçambique a Angola...

A moda do turismo colonial pegou: alguns anos depois iniciar-se-iam os cruzeiros da Mocidade Portuguesa e, posteriormente, da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). Claro que os ingleses, os franceses, os alemães, os italianos, etc. , já faziam este tipo de cruzeiros.

O ACP (Automóvel Clube de Portugal), já dera o mote, inaugurando a prática turística do cruzeiro a terras exóticas: em 11 de Julho de 1933, organizou o primeiro cruzeiro ACP a Marrocos (Tânger e Casablanca) e Madeira, a bordo do Quanza (fretado à  Companhia Nacional de Navegação).

É interessante ligar turismo, crise económica dos anos 30 (que afetou duramente os colonos portugueses de Angola e Moçambique, com a quebra da procura de matérias-primas), companhias de navegação (CNN e CCN, em competição), colónias africanas (em disputa e em risco: os italianos e os alemães não viam com bons olhos os imensos territórios de Angola e Moçambique tão mal aproveitados, a par do Congo Belga...), sem esquecer o triunfo das teorias da supremacia racial, mas também a "incubação" do luso-tropicalismo de que o Marcello Caetano será um dos grandes arautos"...

Vd. Silva, Maria Cardeira da, et Sandra Oliveira. « Paquetes do Império ». Castelos a Bombordo, édité par Maria Cardeira da Silva, Etnográfica Press, 2013, https://doi.org/10.4000/books.etnograficapress.347.



terça-feira, 4 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27386: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte III: um documentário de hora e meia, que diz muito (até pelo que omite) sobre o que era o "ultramar português" há 90 anos



Título original: I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente. Realização: San Payo. Portugal (1936). A preto e branco.Sem som, com intertítulos. Duraçáo: c. 1 hora e meia. Clicar aqui para ver o vídeo:

 http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=1378&type=Video


Caro leitor: caso não consigas visualizar o vídeo, por favor verifica se o endereço completo da página indica http://www.cinemateca.pt (e não https://www.cinemateca.pt/)

Deverás, ainda, utilizar apenas os browsers Firefox, Google Chrome ou Microsoft Edge

Se o browser forçar o s, este deverá ser eliminado manualmente.

Resumo análitico: 

  • até  8' >  Lisboa (despedida e partida do navio); viagem até Cabo Verde;
  • 8' - 23' > Cabo Verde (Mindelo, Praia, interior);
  • 23' - 37' > Guiné (Bissau e Bolama);
  • 37' - 46' > São Tomé e Príncipe (incluindo em São Tomé, visita às roças Água Izé, Monte Café, e Rio do Ouro; no Príncipe, roça não identificada):
  • 46' - 91' > Angola (Luanda, rio Dande, Catete, Dalatando, Casengo, Porto Amboim, Gabela, fazenda de café, Lobito, caminho de ferro de Benguela,  empresa de Cassequel, Catumbela,  Ganda, Moçamedes, foz do rio Bero, regersso a Luanda, minumento aos mortos da Grande Guerra, batuques, desfile) (incluindo visita à fazenda Tentativa, à granja S. Luiz e outras fazendas não especificadas, além da Estação Zootécnica e missão na Huíla).

Regsiste-se que  só as visitas a Luanda, Lobito e Moçâmedes duraram mais do que um dia,  nos restantes locais, os "excursionistas" ficaram apenas algumas horas. Em 1935, a organização do cruzeiro teve de enfrentar muitos problemas logísticos (a falta de viaturas automóveis à péssima rede viária e hoteleira).


1.  A Cinemateca Nacional, no seu portal "Cinemateca Digital", tem um documentário, de longa duração, sobre este 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente. Ainda não o vi todo, mas achei-o uma "delícia"... 

É uma reportagem completa do cruzeiro, com imagens  e informação muito "interessantes" das quatro "colónias" visitadas, além de pormenores da partida e da vida a bordo. Um documentário, raro, com 90 anos, que diz muito (até pelo que omite) sobre o "ultramar português".

 Realizador: San Payo (Manuel Alves San Payo, 1890-1974), fotógrafo, com a colaboração de A. Costa Macedo.

Sinopse: mostra a viagem do paquete "Moçambique" a Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe e Angola entre agosto e outubro de 1935.  O cruzeiro coincidiu com as férias escolares.

 O navio, a vapor, "Moçambique", pertencia à  CNN, será abatido, quatro anos depois, em 1939, e substituido por um novo "Moçambique", a motor, maior e melhor.

A iniciativa foi da revista "O Mundo Português", com apoio do Secretariado da Propaganda Nacional e Ministério das Colónias.

A revista era editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado da Propaganda Nacional. 

Os "excursionsistas" foram à volta  de 200 ( e não 250),  incluindo 7 dezenas de estudantes , considerados os melhores alunos na conclusão do curso geral dos liceus (entre eles,  o Ruy Cinatti).

O mentor do projeto, que tinha como objetivo cativar as jovens elites do país para a questão colonial, foi Marcelo Caetano, então com 29 anos, e já brilhante professor de direito administrativo na  Faculdade de Direito de Lisboa, e intelectual orgânico  do regime. Foi também ele  o "diretor cultural" do cruzeiro.

Outros dados da ficha técnica.

Apoio Financeiro:   SPN - Secretariado da Propaganda Nacional
Produção:   Agência Geral das Colónias

Duração: 01:31:13,  a 24 fps
Formato: 35mm, PB, sem som (com intertítulos)
AR: 1:1,33
ID CP-MC: 7002384
 
 Caro leitor: caso não consigas visualizar o vídeo, por favor verifica se o endereço completo da página indica http://www.cinemateca.pt/ (e não https://www.cinemateca.pt/). 

Deverás, ainda, utilizar apenas os browsers Firefox, Google Chrome ou Microsoft Edge. Se o browser forçar o s, este deverá ser eliminado manualmente.

Observações -  Tratando-se de um documentário sem som síncrono,  o realizador recorreu aos intertítulos (no fundo, as velhas legendas usadas para apresentar diálogos ou explicar a narrativa entre as cenas ou sequèncias no cinema mudo)

Eram cartões de texto filmados e inseridos durante a montagem do filme para ajudar o público a compreender a narrativa,  uma vez que não havia som sincronizado.

Com atraso de vários anos em relação aos EUA ("O Cantor de Jazz", o primeiro filme falado, é de 1927), em Portugal, a transição para o cinema sonoro de ficção   deu-se no início da década de 1930, com a estreia de "A Severa", realizado por Leitão de Barros, em junho de 1931. 

Mas a verdadeira consolidação e popularização do som no cinema português deu-se com "A Canção de Lisboa", em 1933, que teve um enorme sucesso.  É o primeiro filme a ser totalmente produzido em Portugal (nos laboratórios da Tobis). 

Por razões de produção, financeiras e técnicas, os documentários continuarão a fazer-se sem som síncrono até muito tarde, início dos anos 60.~

Além dos expositores (que mostravam os seus produtos a bordo), houve outras
empresas que fizeram publicidade no roteiro, ajudando assim ao encaixe necessário para o financiamento da viagem, que contou ainda com 150 contos dados pelo governo, mais as receitas das inscrições dos excursionistas.

O filme acabou por ser uma deceção, não chegando a passar nas sslas de cinema: ao que parece, o filme da viagem terá sido projectado apenas uma vez, no S. Luiz, em Lisboa, a 29 de junho de 1936, e apenas para os participantes do cruzeiro.


2. Sobre a Cinemateca Digital:

A Cinemateca Digital nasceu em 2011 da participação portuguesa no projecto European Film Gateway – consórcio constituído por 16 cinematecas e arquivos fílmicos europeus enquanto fornecedores de conteúdos e 6 entidades fornecedoras de serviços tecnológicos –, que funciona como agregador sectorial para o portal Europeana.

Para a selecção das obras a fornecer no âmbito desse projecto, a Cinemateca adotou como critério o tema da produção portuguesa de não-ficção do período 1896-1931, consubstanciado nas representações digitais dos seguintes materiais:

a) 170 filmes;
b) material gráfico (fotografias, cartazes, anúncios);
c) textos (de época ou posteriores).

Desde essa altura, a Cinemateca Digital não parou de crescer com a inserção de novas representações digitais de filmes para consulta em linha, numa perspectiva de ampliar o acesso ao património fílmico que tem vindo a ser conservado e preservado pela Cinemateca ao longo dos anos.

Assim, a lista de títulos e o universo seleccionado têm vindo a alargar-se, estando atualmente disponíveis mais de 1700 filmes nesta plataforma.

O acesso à colecção digital pode fazer-se mediante pesquisa ou por navegação através dos filtros.

Os conteúdos da Cinemateca Digital estão também disponíveis através dos portais Europeana (www.europeana.eu) e European Film Gateway (www.europeanfilmgateway.eu).

O acesso à Cinemateca Digital tem apenas como fim a consulta e visionamento em linha dos filmes ali representados digitalmente. Para qualquer outro tipo de utilização das imagens, deverão consultar-se os serviços do arquivo da Cinemateca, através do seu Departamento ANIM. 

______________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes anteriores da série  


3 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27381: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte II

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17331: Notas de leitura (954): Ruy Cinatti e uma viagem a Bolama, 1935, em “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais, o seu número 24, de Dezembro de 1935 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27382: Notas de leitura (1858): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maço de 2025:

Queridos amigos,
O nosso confrade José Matos é de uma delicadeza extrema, mal foi publicado este seu último livro deu-me conhecimento do seu conteúdo, autorizando a revelá-lo, sob a forma de uma súmula, a todos os camaradas. Habituou-nos ao rigor das fontes e dos documentos, ilustra com textos pontos sugestivos da obra, igualmente recorre a ilustrações que facilitam a compreensão dos factos. Em termos de narrativa, contextualiza toda a guerra de África e desvela os principais acontecimentos de 1973 que aceleraram a sublevação militar; são igualmente mostradas as etapas da sublevação a partir da legislação que criava um Quadro Especial de Oficiais, e assim progredimos até aos preparativos da sublevação, depois do insucesso da revolta das Caldas os militares esboçaram uma estratégia que contemplou os três ramos das forças armadas e uma multiplicidade de unidades espalhadas pelo continente. Da operação em si e dos acontecimentos do 25 de Abril e subsequentes se fará referência no próximo texto.

Um abraço do
Mário



Atlas Histórico do 25 de Abril, por José Matos, um confrade que nos dá imensa companhia (1)

Mário Beja Santos

Acaba de ser dada à estampa pela editora Guerra e Paz o Atlas Histórico do 25 de Abril, a obra mais recente do nosso confrade José Matos, publicação muito sugestiva que nos permite recordar as etapas fundamentais do 25 de Abril, acompanharemos os alvores da revolução, chega-se à obra de Spínola Portugal e o Futuro e será esmiuçada a queda do regime e revisitada toda a operação que vitoriou o MFA; leitura tão mais sugestiva pela apresentação de imagens e quadros esclarecedores dessas diferentes etapas.

Em 1973, ainda havia a ilusão de que a ditadura portuguesa teria condições para durar; mas nesse ano alterou-se profundamente o cenário internacional, mudou profundamente a situação dos teatros de operações da Guiné e também em Moçambique; chegar-se-á mesmo ao momento de questionar se a Guiné era defensável, foi tema abordado no Conselho Superior de Defesa Nacional, perto do final do ano, julgava-se que ainda havia uma janela de oportunidade, isto na altura em que Portugal começa a sofrer as consequências não só da crise petrolífera, o país é castigado pelo mundo árabe, a inflação torna-se galopante. O ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, procura uma solução para a falta de oficiais para a guerra, propõe um Quadro Especial de Oficiais, estala a indignação do corpo de oficiais do quadro permanente, vão começar as reuniões, a primeira na Herdade do Monte do Sobral no Alentejo.

Desenhado por Diniz de Almeida, o croqui com indicações para os militares chegarem ao Monte do Sobral (Arquivo Diniz de Almeida)

Marcello Caetano remodela o Governo, Silva Cunha passa para ministro da Defesa, os militares continuam a protestar como se verá na reunião de S. Pedro do Estoril. A política ultramarina do Estado Novo isolara Portugal, consumia cada vez mais recursos ao país. Mesmo os Aliados da NATO furtavam-se a apoiar Portugal e a compra de armamento era cada vez mais difícil. José Matos rememora os acontecimentos que envolvem tal política ultramarina, o aparecimento da luta armada a partir de 1961. Destaca o problema da Guiné. Refere uma carta do chefe do Gabinete Militar Arnaldo Schulz, Tenente-Coronel Castelo Branco, para o governador, então em Lisboa, dizendo que “o inimigo colocou-nos a mão no pescoço, como bom lutador de judo, e nós temos dificuldade em sair desta posição”. Toda a situação na Guiné é passada em revista, Spínola regressa da Guiné em agosto, não escondendo que a situação se tornou incomportável, não podia haver solução militar, impunham-se negociações. Marcello Caetano nomeia novo governador, ele escreverá nas vésperas do 25 de Abril que se chegara à exaustão dos meios. Nessa altura já Marcello Caetano procurara sigilosamente conversações com o PAIGC, que ocorreram em Londres, em março.
Os apartamentos de Dolphin Square em Londres (Arquivo José Matos), foi aqui que decorreram as conversações secretas entre o PAIGC e o cônsul português José Manuel Villas-Boas, toda esta operação fora urdida pelo embaixador britânico em Lisboa

Prosseguem as reuniões dos militares conspiradores, o autor descreve a atmosfera em que é publicado o livro de Spínola Portugal e o Futuro, a proposta de criar uma federação já não assentava na realidade, não só nenhum dos movimentos de guerrilha era a favor como Portugal perdera oportunidade de preparar o ambiente que permitiria a conjugação de todas estas vontades. Mas o livro foi o rastilho da revolução, como Marcello Caetano constatou após a leitura do livro, na noite de 22 de fevereiro de 1974. Caetano está já entre a espada e a parede, quer demitir-se mas Thomaz não consente, discursa na Assembleia Nacional, pede-lhe um voto favorável para a continuação da política ultramarina, recebe os oficiais generais, demite Costa Gomes e Spínola, enquanto discursa na Assembleia Nacional surge o manifesto dos capitães numa reunião que se realizou em Cascais, Melo Antunes lê aos presentes um documento por ele elaborado: o regime era incapaz de se autorreformar, a perpetuação da guerra não ia resolver um problema ultramarino; os povos africanos tinham direito à autodeterminação, embora devessem ser acautelados os interesses dos portugueses residentes no Ultramar; era necessário um novo poder político eleito democraticamente que fosse realmente representativo das aspirações e interesses do povo.

Com a demissão de Costa Gomes e Spínola, os militares já em estado de sublevação vão procurar, a partir das Caldas da Rainha, caminhar em direção a Lisboa, a operação não é sucedida, Caetano falará dela na sua última Conversa em Família. Pelas diferentes vias diplomáticas, tenta-se adquirir novas armas, suscetíveis de se equiparar com o armamento da guerrilha. Temendo o uso da Força Aérea por parte do PAIGC, é comprado o Crotale.

Originalmente desenvolvido para a África do Sul pela Thomson-CSF e pela Matra, o Crotale era um sistema de defesa antiaérea para alvos a baixa altitude. Uma bateria de Crotale era composta por dois a três veículos de disparo, cada um com o seu próprio radar de controlo de fogo e quatro mísseis prontos a disparar, e um veículo de vigilância/aquisição. Portugal assinou um acordo de compra com os franceses em Janeiro de 1974, mas este sistema já não seria entregue a tempo. A única bateria de Crotale chegaria em Setembro de 1974, após o fim da guerra, e com a ajuda de Thomson foi revendida à África do Sul em 1976.

Vamos ver agora os preparativos do golpe, estiveram a cargo de um estratega, Otelo Saraiva de Carvalho; ele teve o cuidado de envolver várias unidades militares espalhadas pelo país, era imperativo tomar a capital. Sede do Governo, aqui estavam a televisão e as mais importantes estações de rádio e o aeroporto. Todas as operações seriam comandadas a partir de um centro de comando do MOFA (mais tarde MFA), havia necessidade de um sistema de comunicações fiável, ficou a cargo do tenente-coronel Garcia dos Santos, foi ele o responsável por arranjar o material de comunicações para a revolta.

A fuga do tenente Castro Gil:

“No dia 31 de Janeiro de 1974, ao fim da tarde, os guerrilheiros abateram com um míssil terra ar um Fiat G.91 que prestava apoio de fogo ao aquartelamento de Canquelifá, que estava sob ataque do PAIGC. Este quartel na fronteira nordeste com o Senegal distava cerca de 200 km de Bissau e era uma zona flagelada com alguma frequência pela guerrilha. O piloto ejetou-se e aterrou em segurança, mas teve de fugir para não ser capturado pelo inimigo. Decidiu rumar a norte, para o Senegal, indo pelo mato rasteiro ainda com cinzas ardentes para que a aragem do ar apagasse o seu rasto. De manhã, regressou à Guiné e foi ter a uma aldeia. Aproximou-se e escondeu-se nuns arbustos, a observar o movimento dos naturais e a ver se via homens armados ou fardados como os guerrilheiros. Quando viu que era seguro, entrou na aldeia e pediu ajuda. Surgiu então um homem com uma bicicleta e mandou o tenente Gil instalar-se atrás, arrancando a pedalar em direção ao sul para o Quartel de Piche. No quartel, começou a grande festa da recuperação do jovem tenente, que, no dia seguinte, chegou à base aérea de Bissalanca, onde a receção foi apoteótica e onde a festa se prolongou até de madrugada. Bastante alcoolizado, o tenente acabou internado no hospital de Bissau amarrado a uma cama.”

Texto retirado da obra de José Matos.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 31 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27370: Notas de leitura (1857): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27381: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte II: a nata do regime no cais da Fundição, à despedida

 








Fonte: (1935), "Diário de Lisboa", nº 4572, Ano 15, Sábado, 10 de Agosto de 1935, pp. 6-7 Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_28743 (2025-11-3)




1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte II


1. Foi um acontecimento social e político, a partida do N/M Moçambique  para o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (sic). A notícia foi título de caixa alta nas páginas centrais (pp. 6/7) do "Diário de Lisboa" (e por certo nos restantes diários da capital).

Pela lista das figuras públicas acima identificadas, ninguém faltou à largada do paquete da Companha Nacional de Navegação (CNN), atracado no Cais da Fundição, desde o Cardeal Patriarca ao ministro das Colónias. Salazar, naturalmente, não compareceu. Saía pouco, até por razões de segurança 
Mas estava lá a nata do regime. Ministros e ministeriáveis.

O Cais da Fundição não existe mais.   Era um nome histórico para uma área do Porto de Lisboa, entre Santa Apolónia e o cais do Jardim do Tabaco, associado principalmente à CNN, desde os finais do séc. XIX / princípios do séc. XX.   Situava-se perto da zona de Santa Luzia. Funcionava como um cais de carga e descarga, especialmente para a CNN. Atualmente, a área é agora ocupada por outras infraestruturas portuárias, como o Terminal Multiusos do Beato ou o Terminal Multipurpose de Lisboa (TSA). 

Embora não haja nenhuma foto do jovem professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Marcello Caetano, ele era uma das figuras VIP do evento, sendo  o "diretor cultural" do cruzeiro.  À despedida, não faltou o sogro, João de Barros (1881-1960), poeta, publicista, pedagogo, político republicano, figura respeitada da oposição democrática à Ditadura Militar e ao Estado Novo.

Estava planeado que o cruzeiro visitasse, em 56 dias, Cabo Verde, Guiné,  São Tomé e Angola (a visita mais demorada). No regresso devia passar ainda pela Ilha do Príncipe e  Ilha da Madeira.   
  
O Moçambique largou festivamente ao som da sua orquestra  privativa.  Provavelmente com grande relutância, Salazar teve pagar do seu bolso (quer dizer, do erário público) um subsídio de 150 contos para custear a viagem. 

(Continua)

domingo, 2 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27379: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte I: um grande evento social e político



Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > A chegada do vapor Moçambique, com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935), entre os quais se contaria Ruy Cinatti (1915-1986), engenheiro agrónomo, poeta, antropólogo que iria mais tarde estabelecer uma relação especial com Timor. Era amigo do nosso camarada Beja Santos.

O N/M Moçambique esteve ao serviço da Companhia Nacional de Navegação (CNN), entre 1912 e 1939; com mais de 5700 toneladas, 122 m de comprimento e 133 tripulantes fazia a carreira da África Oriental; seria desmantelado em 1939.).


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > "Guarda do Palácio do Governador. Foto de Manuel Emídio da Silva, no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935).



Angola > Agosto de 1935 > Visita à Fazenda Tentativa (no Caxito a 60 km a norte de Luanda), no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente  ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935). Foto da autoria de Sam Payo.

Fonte: O Mundo Português, Vol II, nºs 21-22, Setembro-Outubro de 1935 (Exemplar pessoal de Mário Beja Santos; digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



Guiné > Zona Leste > Bafatá > c. 1931 > "Jangada no Rio Geba. Passagem entre Bafatá e Contuboel"... Imagem reproduzida em "O Missionário Católico, Boletim mensal dos Colégios das Missões Religiosas Ultramarinas dos Padres Seculares Portugueses, Ano VIII, n.º 81, Abril de 1931, p. 169 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos).


Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935),  de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano -  Parte I


1. 
 Diz o António Rosinha, em comentário ao poste p27363 (*);

"Uma coisa penso que o Alberto Branquinho se esquece: é  que Caetano foi ministro das colónias, com visita prolongada às colónias. e tinha ideias bem claras, e opostas ao pensamento de Salazar, mas em 1968 já tudo estava nas mãos de Spínola e dos capitães. Caetano já não tinha as ideias de Salazar desde que foi ministro das colónias , está na Internet à mão de todos."

Rosinha: sei que és um leitor apaixonado da história do nosso país, e atento ao que se escreve e se publica sobre o período do Estado Novo e em especial sobre a colonização e a descolonização da "menina dos teus olhos", que era/é  Angola... (Descolonização que foi, estamos os dois de acordo, uma tragédia imensa, para todos; a história poderia ter sido escrita de outra maneira.)

Claro que entre Salazar e o seu sucessor político havia diferenças substanciais na maneira de ser, pensar, estar e fazer... Substanciais mas não antagónicas..."A solução na continuidade" acabou por nos levar a um beco sem saída, com o regime alienando o apoio (que era vital) das Forças Armadas.

Tenho dúvidas sobre o que dizes, que Marcelo Caetano "conhecia bem o ultramar"... 

Seguramente que conhecia melhor que o Salazar que nunca sujou as botas com a terra vermelha de África,  nunca lá foi, de resto, mal saía de São Bento, era um homem que sofria de claustrofobia social.  (Foi a Espanha, não foi comprar caramelos como qualquer português na época da "pesetita", foi  a 1ª vez encontrar-se secretamente com Franco, em 10 de fevereiro de 1942. par ter a garantia de que o homem não tinha intenções de "engolir" o pequeno Portugal e o seu grande império.)

 Muito antes de ser de comissário nacional da Mocidade Portugues (1940/44) e ,a seguir, a ministro das Colónias (1944/47), Marcelo Caetano já era uma "vedeta" do Estado Novo, um dos seus brilhantes "intelectuais orgânicos". Licenciado em direito, em 1927, será o primeiro doutorado (em ciências político-económicas), em 1931, pela Faculdade de Direito de Lisboa.

Oriundo da extrema-direita (católico, monárquico, integralista lusitano), foi um dos apoiantes da Ditadura Militar e depois do Estado Novo.  Participaria na redacção do Estatuto do Trabalho Nacional e da Constituição de 1933. E chegaria rapidamente a número 2 do regime, até que as suas relações com Salazar esfriaram logo em 1947 e depois em  1958. Ironicamente, será escolhido pela extrema-direita do regime (na pessoa do então presidente da República, Américo Thomaz), para suceder, em 1968, a Salazar. 

Em relação a Salazar,  o Caetano tinha a vantagem de "conhecer bem o  Ultramar". Conhecer ? Bom, foi pela primeira vez  à Guiné, por exemplo,  como "turista", em agosto de 1935, e depois em 1969, em 14 de abril, como presidente do Governo, alás, espantosamente, a primeira visita de um chefe de governo ao ultramar, e para mais oito anos depois do início da guerra. (**)

De facto, em 10 de agosto de 1935, vemo-lo partir, de Lisboa, no 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, a bordo do paquete Moçambique, com cerca de 250 excursionistas, uma boa parte estudantes. Ia fazer 29 anos no dia 19. Houve, por certo, grande festa a bordo.

A iniciativa partiu da revista "O Mundo Português", tendo juntado cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comerciantes" (incluindo famílias dos estudantes)... Embora subsidiado pelo Governo, com 150 contos, havia 3 classes de passageiros (e respetivos precários; veremos em próximo poste mais alguns aspetos da viagem, que não foi um mar de rosas, até por que o "Moçambique" era velho navio, ronceiro, a vapor!)

O cruzeiro teve claramente um propósito de propaganda colonial, a mobilização dos jovens portugueses para o Império colonial, enfim, um “banho de portuguesismo” (sic).

O cruzeiro foi organizado pela revista "O Mundo Português" ( propriedade da  Agência Geral das Colónias e  da SPN - Sociedade de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro, esta última criada em 1933 e que, em 1945, passaria  a chamar-se SNI - Secretariado Nacional de Informação).

Marcelo Caetano (1906-1980), então já professor universitário, conceituado especialista em direito administrativo, ficou encarregue  da parte cultural do cruzeiro, com “preleções, conferências e palestras” durante a viagem. (O que deve ter sido uma grande 'seca' para os putos.)

O navio visitou as colónias portuguesas da África Ocidental ou “Ocidente”: Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola. Aproveitou-se as férias escolares. O cruzeiro terminou a 4 de outubro de 1935. Quatro anos depois a Europa (e a seguir o Mundo) estaria em guerra. Impossível repetir aquele cruzeiro.

No arquivo biográfico de Marcello Caetano, na Torres do Tombo, consta que a colecção “6.ª Colecção/Série – Cruzeiro de férias às Colónias (1935-Agosto)” se refere à documentação produzida no âmbito do cruzeiro. 

(Continua)

2.  Marcelo Caetano (Lisboa, 1906-Rio de Janeiro, 1980): nota biográfica sobre

(...) "Marcelo José das Neves Alves Caetano nasceu em Lisboa, em 17 de Agosto de 1906, filho de José Maria Alves Caetano e de Josefa Maria das Neves Caetano. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, em 13 de Julho de 1927, com a informação final de Muito Bom, com 18 valores.

"Exerceu funções de oficial do Registo Civil, em Óbidos, colaborando, em simultâneo, em vários periódicos e revistas científicas e de especialidade. A convite de António de Oliveira Salazar, Ministro das Finanças, tomou posse como auditor jurídico do mesmo ministério, em 13 de Novembro de 1929, declarando, no entanto, por ocasião do convite, o seu objectivo de seguir a carreira docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

"Com esse fim, doutorou-se em 17 de Junho de 1931, com a dissertação "Depreciação da moeda depois da guerra", e, em Agosto de 1932, concorreu a uma vaga de professor auxiliar "do terceiro grupo da Faculdade de Direito (Ciências Políticas)", com a dissertação "Do poder disciplinar no Direito Administrativo Português", tendo sido aprovado por unanimidade e tomado posse do respectivo lugar em 12 de Julho de 1933.

"No ano lectivo de 1938-1939 é já apresentado, no Anuário da Universidade de Lisboa, como professor catedrático contratado, sendo simplesmente apresentado como professor catedrático no anuário para o ano lectivo de 1940-1941.

"Ao longo da sua carreira docente leccionou as cadeiras de Direito Administrativo, Administração Colonial, Direito Internacional Público, Direito Corporativo, Economia Política, Direito Penal e Direito Constitucional, publicando uma vasta obra com vertentes jurídica, histórica e de intervenção sociopolítica.

"Foi reitor da Universidade de Lisboa, de 20 de Janeiro de 1959 a 12 Abril de 1962 (cargo de que se demitiu por divergências com o Ministro da Educação, na sequência de oscilações de atitude do Governo perante as manifestações estudantis de Abril de 1962, em Lisboa)." (...)


Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo > Arquivo Marcello Caetano. ara saber mais clicar aqui.
 
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 29 de outubro de 2025  > Guiné 61/74 - P27363: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21,Angola, 1970/72) (1): A minha (im)possibilidade de desertar

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27341: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1945 (58) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Entendi que se deviam publicar as linhas de ação governativa de Sarmento Rodrigues, ele diz que vem por pouco tempo, que pretende acabar obras e deixar muitas outras em andamentos, sente-se que vem bem apoiado pelo ministro Marcello Caetano, ao longo de 1945 observa-se a abertura de créditos, acabara a guerra e havia dinheiro, desanuvia-se a atmosfera de grande austeridade, lançam-se os fundamentos do que o governador idealizava para a Guiné: obras públicas, transportes, portos, pontes, reformulação de toda a política de saúde, investigação cultural. Quando deixar a colónia, em 1949, o seu sucessor, Raimundo Serrão, passará anos a inaugurar obras do seu legado. Legado tão forte que quando Craveiro Lopes visitar a Guiné em 1955, a grande estrela será Sarmento Rodrigues, então ministro das Colónias.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, finais de 1945 (58)


Mário Beja Santos

Vai começar a era de Sarmento Rodrigues, veremos ao longo de 1945 sucessivas autorizações de abertura de linhas de crédito, todas elas justificadas por dotações insuficientes. O novo governador chega e começa por trocar saudações com o Conselho de Governo.

O Comandante Manuel Maria Sarmento Rodrigues irá proferir na abertura dos trabalhos (mera sessão protocolar) um discurso surpreendente, vale a pena reter alguns parágrafos, pois deixa bem claro ao que vem e o que pretende fazer:
“Vossas Excelências esperariam, talvez, que nesta ocasião lhes fosse apresentado um programa do Governo. Justamente, uma das incumbências que Sua Excelência o Ministro me deu foi de elaborar um plano de Governo. Não serei eu só, mas Vossas Excelências, todas as pessoas esclarecidas e de boa-vontade, que hão de ter parte nele com as suas informações, os seus exemplos e a sua previsão. E, depois disso, mais do que planear, terão de executá-lo. Deposito a maior esperança na colaboração de todos. Não seria possível encontrar aqui homens que negassem o seu esforço par ao engrandecimento da colónia.

Conheço a dureza da vida na Guiné, por um lado causada pelas asperezas do clima, do outro pelas dificuldades económicas de cada um. É indispensável, portanto, fazer o possível por conseguir mais conforto e bem-estar para todos, de modo que esta colónia possa um dia ser, mais do que a região atrativa e prometedora do que já é, uma terra onde a vida possa decorrer sempre com agrado.
Julgo que isso será possível. Habitações higiénicas; higiene nas ruas e em volta das povoações; meios de vida mais fáceis; ambiente social cada vez mais digno; satisfação das necessidades espirituais.
Sua Excelência o Ministro enfrenta um vasto programa de melhoramentos na colónia, para a realização dos quais já começaram a trabalhar os organismos superiores do Ministério.

Muitos deles aqui se movimentam também. Habitações, saneamento, água e hospitais; pontes, portos, obras hidráulicas, aeroportos, farolagem; missões científicas, de geodesia, hidrografia, zoologia, antropologia, botânica, medicina, etc.; desenvolvimento do serviço missionário, na parte religiosa e na parte do ensino indígena; defesa militar na colónia; assistência às atividades económicas, nomeadamente às agrícolas e industriais, direta e indiretamente; ensino dos indígenas em agricultura, pecuária e artes e ofícios; e outros.
Infelizmente, o momento atual não é de molde a permitir a fácil realização deste vasto programa, porque em grande parte rareiam os elementos para a sua execução. Junta-se à falta de técnicos a escassez de materiais e a dificuldade de transportes. Heis porque, mais do que nunca, se impõe a colaboração de todos; levara moralidade administrativa a todos os setores, aos mais pequenos detalhes; intransigência, contudo que possa traduzir corrupção e vício. É nestas bases de moral sem transigências que temos de trabalhar.”


Imediatamente a seguir discursa na primeira sessão do Conselho de Governo, aí sim temos as linhas gerais do que planeou para a ação governativa:
“É premissa basilar não estagnar, não haver uma pausa sequer. O ritmo de trabalho, da atividade, tem de ser acelerado. Figura no primeiro plano das realizações, como mais visível, o trabalho das obras públicas. Temos uma vasta lista de obras projetadas para um período que desejaríamos que fosse bastante curto. Coloco à frente as construções por acabar e que pretendo arrumar. Afigura-se-me como ação de prestígio para nós a conclusão ou aproveitamento imediato de todos os edifícios que estão incompletos: Palácio, Sé, capelas de Catió, Bafatá, Canchungo, Mansoa e Gabu, moradias projetadas para os funcionários em Bissau, o monumento ao Esforço da Raça, edifício da Praça do Império, cuja origem quase se desconhece, e outras tentativas dispersas pela colónia, aguardando que as acabem.”

E passa em revista o que pretende fazer: instalar o Tribunal Administrativo, o Tribunal da Comarca, Escrivães e Conservatória; na Praça do Império instalar um Museu, Arquivo e Biblioteca. “Tenho também intenção de restaurar a Colónia Penal Agrícola, pois é necessário haver um local onde sejam conservados os condenados ao cumprimento de penas, os quais não têm presentemente lugar nas cadeias. Até hoje não descobri as razões que levaram à suspensão da Colónia Penal. Por toda a colónia há imensas obras eu se impõem, como as sedes dos postos administrativas de Prabis, Cacine, Bedanda, Bambadinca, Xitole, Bula, Enxudé, Binar, Enxalé, Piche, Pirada, Ilha Roxa, Caravela e outros; as secretarias das administrações de Bissau e Canchungo; residência dos administradores de S. Domingos e Gabu, do secretário de Farim e dos aspirantes em Bafatá, Catió, Bubaque e Farim.” E seguidamente fará menção da rede de estradas, pontes e reparações de envergadura.

E sinais desta atividade vão aparecer no Boletim Oficial, torna-se claro que o Ministro das Colónias, Marcello Caetano, lhe está a dar um apoio incondicional. Veja-se o suplemento ao n.º 46, Boletim Oficial de 17 de novembro, publica-se o Decreto-lei n.º 43:677, fala-se no levantamento hidrográfico da colónia da Guiné, é necessário um navio adaptado às especiais condições hidrográficas da colónia, o Ministério da Marinha destinará uma canhoneira, fala-se da logística, duração dos trabalhos, etc.

As questões de saúde merecerão do governador a devida atenção, como se pode ver numa portaria publicada no Boletim Oficial n.º 51, com a data de 17 de dezembro. Iniciara os seus trabalhos na colónia a Missão de Estudo e Combate à Doença do Sono, o governador determinava: que todos os indígenas a quem seja feito o diagnóstico de tripanossomíase fossem obrigatoriamente mandados apresentar nos postos de tratamento; e que os doentes indígenas considerados no período nervoso da afeção ficassem isentos de pagamento do imposto palhota e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que tivessem sujeitos. Nesse mesmo Boletim Oficial era criado o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa que teria como seu órgão o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

No último dia do ano, no suplemento n.º 53 do Boletim Oficial n.º 25, publica-se o Decreto-lei n.º 34:478, do Ministério das Colónias, tem a ver com o envio de missões antropológicas e etnológicas, a quem Sarmento Rodrigues dará todo o impulso aos seus trabalhos. Enfim, o plano de ação governativa com o declarado apoio do Governo e com a chegada de dinheiro e meios e técnico ganhava o seu ímpeto.

Sarmento Rodrigues regressava de Lisboa e trazia boas notícias: dinheiro, equipamentos, a vinda de cientistas, apoio governamental para infraestruturas, obras públicas e saúde
Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Foto Serra, 1955
Tocado de Korá. Imagem retirada deste número de Ronda pelo Ultramar
Duas páginas do mesmo número da revista
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 15 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Ricardo Vaz Monteiro tem sido objeto de um lamentável esquecimento, apanhou com a austeridade e a penúria de recursos, a despeito das limitações imprimiu à sua governação o sentido da eficácia na administração, batendo o pé ao rigor orçamental e conseguido obter, na maioria dos casos o reforço de verbas. Sarmento Rodrigues chega em abril de 1945, veremos no próximo texto que ele irá proclamar na primeira sessão do Conselho de Governo ao que vem e o que pretende fazer. Aproveitará as potencialidades de Ricardo Vaz Monteiro quanto a missões científicas, caso da missão geoidrográfica e da zootecnia, começam os trabalhos da missão do sono, o novel governador conseguirá meios para melhorar as instalações portuárias e o saneamento, mas não se ficará por aqui, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, quase todo 1945 (57)


Mário Beja Santos

Ricardo Vaz Monteiro partirá em breve, o Boletim Oficial mostra medidas que não abrandam a austeridade, no Boletim Oficial publica-se constantemente o reforço de verbas, era assim que se contornava o rigor orçamental. Permanecem as preocupações com o abastecimento e o combate à fraude. No Boletim Oficial n.º 3, de 15 de janeiro, assinado por Vaz Monteiro, consta a portaria onde se lê:
“Reconhecendo-se a conveniência de, na cidade de Bissau, se confiar a uma só entidade a fiscalização sobre as existências e preços dos géneros alimentícios e a competência para autorizar a saída desses géneros para outros pontos da colónia. O governador determina que na cidade de Bissau sejam das atribuições do Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública a fiscalização sobre as existências, qualidades, estado e preços dos géneros alimentícios e as autorizações para a saída desses mesmos géneros com destino a outros pontos da colónia".


Prosseguem as obras aeroportuárias em Bolama, assim legisla-se no Boletim Oficial n.º 10, de 5 de março haver a necessidade de regulamentar a exploração provisória do Aeroporto Terrestre e Marítimo de Bolama, impondo-se o estabelecimento de taxas a cobrar pelos serviços prestados às aeronaves.

Encontra-se no Boletim Oficial n.º 11, de 12 de março o Decreto-Lei n.º 33.924, sem margens para dúvidas vê-se nele o punho de Salazar ou de Marcello Caetano (então ministro das Colónias), tem a ver com a preocupação da instalação de indústrias nas colónias:
“Cumpre ao Estado promover e favorecer, embora em ritmo prudente, a instalação de indústrias nas colónias, por forma que a economia ultramarina se desenvolva continuamente e em harmonia com o conjunto dos interesses nacionais.
Não deve, porém, concluir-se que seja possível acarinhar indiscriminadamente ou tender-se, no estado atual do desenvolvimento das colónias, para uma industrialização total. Na verdade, em primeiro lugar, as indústrias que se estabeleçam nas colónias devem laborar matéria-prima que exista na própria colónia. Não se compreenderia facilmente a criação de indústrias que tivessem de importar toda ou mesmo a maior parte da matéria-prima destinada a ser transformada. Em segundo lugar, deve procurar-se que as indústrias visem, nesta primeira fase, especialmente ao abastecimento do mercado interno da colónia onde se instalem, sem prejuízo de um ou outro caso, como é, por exemplo, o da extração de óleo de semente de rícino em Angola, na Guiné e possivelmente em Moçambique. Em terceiro lugar, não será aconselhável a instalação daquelas indústrias que só possam vir a prosperar mediante condições exageradas de proteção aduaneira, isto é, de proteção que ultrapasse a defesa contra menos corretos processos comerciais.
É de desejar que nunca se perca de vista o interesse do indígena. É ele o principal consumidor dos territórios de além-mar e lá é ele também o principal obreiro da produção. Desta forma, todas as indústrias que se estabeleçam visando a melhor, mais fácil e barata satisfação das necessidades dos indígenas, devem ser acarinhadas de forma muito especial, bem como as que permitam pagar-lhes os seus produtos pelo melhor preço.”


E produz-se legislação que tinha a ver com a indústria de fiação e tecidos de algodão nas colónias.

Num dos seus livros de memórias, Aristides Pereira referia uma sirene que se fazia ouvir em Bissau e que se prendia com a obrigatoriedade da população africana abandonar o centro, desconhecedor de que havia legislação que tal permitia, achei que se tratava de um exagero anticolonial. Mas não, no Boletim Oficial n.º 24, de 11 de junho, vem publicada uma proposta do Chefe da Repartição, António Francisco Borja Santos, onde se lê que passaria a ser expressamente proibido o trânsito, nas povoações de caráter europeu desde as 22 até às 5 horas, sob pena de 50 escudos de multa. Porquê esta medida segregacionista, não a entendo.


Vamos ter tempo e espaço para falar do novo governador. No Boletim Oficial n.º 26, de 25 de junho vem a referência à Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono na Guiné. É um texto riquíssimo de informação, vale a pena registar aqui alguns parágrafos:
“Embora date de 1885 a primeira referência à doença do sono na Guiné, verifica-se que tal endemia não ocupou, até 1932, posição de destaque na nosologia da colónia, discutindo-se mesmo, por vezes, até ao último ano citado, a existência da doença nessa possessão. Em 1932, o Prof. Fontoura de Sequeira, em Missão de Estudo da Escola de Medicina Tropical, esclareceu inteiramente o assunto, concluindo por afirmar que a hipnose grassa na colónia sob a forma de endemia ligeira, irregularmente dispersa por todo o território, com caráter relativamente benigno e, ao que parece, sem tendência a agravar-se. O Prof. Sequeira trabalhou na Guiné durante 7 meses, na época das chuvas, tendo percorrido quase toda a colónia, e na visita feita a 67 tabancas, encontrou apenas 18 doentes. De 1932 para cá, não se pôs mais em dúvida a existência da doença do sono na Guiné, passando aquela afeção a ser considerada nos serviços de rotina dos médicos da maioria das regiões da colónia.”


E depois de mais contextualizar, o diploma traz como conclusão que a doença do sono aumentara consideravelmente de importância. E davam-se competências à missão de estudo, em múltiplos domínios: investigação científica, combate à expansão da doença. Lançava-se deste modo o fundamento para esse formidável combate à doença do sono, que teve resultados assinaláveis.

No Boletim Oficial n.º 30, de 23 de julho, Sarmento Rodrigues anuncia as comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Compete-nos, aos da Guiné Portuguesa, celebrar como melhor pudermos este acontecimento, recorrendo ao esforço, engenho e boa vontade de todos, sem distinção de categorias, origens ou credos. Vão constituir-se comissões e executar-se trabalhos. Isto não significa que a colaboração fique restringida e vedada para alguém. Pelo contrário, desde já a todos é solicitada. É então criada uma Comissão Central das Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, cria-se o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa que deverá publicar o que mais de significativo tiver a ver com a cultura guineense.”
O diploma é extenso, refere pormenorizadamente a constituição destas secções de trabalho. Neste mesmo boletim e na sequência do que acaba de se referir quanto ao Boletim Cultural, veio outro dispositivo muito curioso, também assinado por Sarmento Rodrigues, tem a ver com a verificação de que os terrenos das orlas das estradas estavam a ser sistematicamente desarborizados, o governador mandava proibir o corte das árvores numa faixa de 100 m de largura ao longo de todas as estradas da colónia.


Daremos no próximo texto referência à intervenção de Sarmento Rodrigues no 1.º Conselho de Governo, mas impõe-se aqui faz o registo do Decreto-Lei n.º 34.464 que vem publicado no suplemento ao Boletim Oficial n.º 46, de 17 de novembro. Tem a ver com a necessidade manifestada pelo Governo de tomar certas providências à intensificação do povoamento dos territórios ultramarinos, nomeadamente de Angola e Moçambique, e ao estreitamento das relações espirituais entre a metrópole e as colónias. Menciona-se que o Estado continua a conceder passagem gratuita a colonos nos navios das carreiras de África, concessão que vem desde novembro de 1899. Recorda-se que o êxito da colonização depende muitíssimo da assistência sanitária e técnica proporcionada aos colonos, lembra-se que o conhecimento científico dos territórios estava a cabo da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais. Atribuía-se ao Ministério das Colónias a dotação de 30 mil contos para fomentar o povoamento das colónias e estreitar as relações destas com a metrópole. Tais verbas destinavam-se a passagens para colonos, educação e estudos, etc.

Abril de 1945: anúncio da chegada do comandante Sarmento Rodrigues
Muito multirraciais, mas, quando necessário, segregacionistas
Sarmento Rodrigues (1899-1979)
Sarmento Rodrigues na Guiné Portuguesa em Maio de 1945, a ser cumprimentado por funcionários da Administração local. Foto do arquivo da Casa Comum (FMS), parcialmente restaurada.
Hospital da Cumura, outrora Leprosaria da Cumura

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)